segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Os fantasmas da intolerância

Meio século depois do golpe militar, vinte e um anos de ditadura somados aos vinte e nove anos de democracia não conseguiram exorcizar os fantasmas da intolerância e da violência política.
2014, o ano das rememorações, serviu para reavivar fatos, situações, figuras, luto, sofrimento; serviu principalmente aos mais jovens que jamais passaram pela experiência de serem sequestrados na sua condição de cidadãos.
É lamentável, desesperador, mas ainda há quem ache que a ditadura foi uma “ditabranda”. Pior: há quem ache que a democracia não cura nossos males e que só o retorno dos militares ao poder acabará com as malfeitorias e produzirá novos milagres.
Os cerca de 80 milhões de brasileiros que viviam em 1964 são agora quase 200 milhões. Estes novos 120 milhões vivem numa democracia mas têm uma ideia muito vaga do que é exatamente uma democracia, dos direitos que garante e dos deveres que impõe.
O regime é democrático, vota-se a cada dois anos, porém muitos não sabem conviver, respeitar limites e diferenças, muitos nem conseguem distinguir o caminho – faltam noções mínimas de história, os poucos narradores estão roucos, fatigados.
Os militares se prepararam ativamente para o fim do arbítrio impondo uma Lei de Anistia injusta, discricionária, que mantém os mortos sem sepultura e os criminosos impunes. O debate sobre a anistia não foi intenso, mas foi breve, breve demais – nossa imprensa tinha pressa em acabar com a censura, os exilados tinham pressa em voltar para suas casas, os políticos banidos tinham pressa para retomar suas carreiras, e essa pressa em acordar do pesadelo impediu que pudéssemos avaliá-lo e o entender.
A mesma imprensa que se resignou ao golpe não se preparou para a redemocratização, esqueceu que a busca da verdade deve ser universal, ampla e irrestrita.
Cultores da história
Este Observatório não é tribunal, não julga nem condena – quer apenas fazer pensar: esta a catarse capaz de nos afastar para sempre da metáfora do chumbo. Direito. E em 2018 será a vez de lembrar meio século do famigerado AI-5.
Se nossos encontros com o passado só ocorrem com a ajuda de efemérides, temos um estoque suficiente delas para nos transformar em dedicados cultores da história. Só quem conhece a história pode escapar da tentação de repeti-la, só quem percebe os contornos das tragédias tem condições de evitá-las. “Nunca mais” é um desejo que se materializa apenas quando há consensos. 
Por Alberto Dines
[Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br]


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