O leitor habitual deste espaço já tem um belíssimo estoque de pérolas
perpetradas pela imprensa. Os diversos meios de comunicação (jornais
impressos, jornais de rádio e TV, sites etc.) capricham mais e mais na
criatividade linguística. Como diz um velho companheiro, "não há limite
para o pior".
Já afirmei diversas vezes que boa parte dos mais importantes concursos
públicos do país (vestibulares, processos de seleção de candidatos a uma
vaga no serviço público etc.) apresenta provas de português baseadas em
textos ou fragmentos de textos jornalísticos. Em geral, pede-se que o
candidato identifique o problema e que dê ao trecho "defeituoso" redação
clara, coerente e correta.
A batatada de hoje é esta: "Romário se encontra com Maradona e pede
prisão a corruptos do futebol" (título publicado ontem num site de
notícias). E então, caro leitor? O que quer o Baixinho? Será que ele tem
inveja do deputado-presidiário Donadon e também quer frequentar a
Papuda, para tomar banho (frio) e comer a quentinha que lá servem ao
nobre parlamentar e a seus "companheiros"?
Não e não, obviamente. O que Romário quer é a prisão "DE/DOS" corruptos
do futebol. Há uma clara diferença entre "pedir a prisão a" e "pedir a
prisão de". O mínimo que se pode dizer do título jornalístico mencionado
é que ele é pouco claro ou ambíguo. A julgar adequado esse título,
pode-se pensar que o deputado federal Romário se sente tão culpado (de
sabe-se lá o quê) e tão vil que chega a pedir a corruptos que o prendam.
O título em questão permite também que se imagine ou suponha que o
Baixinho tenha sido irônico, isto é, que de fato tenha pedido aos
corruptos que o prendam, como se estivesse a desafiá-los ("Provem que o
que digo é mentira e prendam-me").
Mas não é nada disso o que se lê na matéria (pessimamente intitulada, é
bom que se repita). O que o Baixinho quer é simplesmente que os
corruptos do futebol sejam presos. O que temos nesse caso, caro leitor, é
um enésimo problema de regência, que, como se sabe, é a parte dos
estudos linguísticos que se ocupa da relação entre as palavras ou
orações. O substantivo "prisão" normalmente rege as preposições "a",
"de" e "em", mas é óbvio que a opção por "a", "de" ou "em" pode
determinar claras diferenças semânticas (de sentido).
Não se pode deixar de lado o peso do verbo "pedir" no título em questão.
"Fulano pede ajuda à igreja", por exemplo, permite entender que Fulano
pede à igreja que o ajude, mas também permite entender que Fulano acha
que a igreja precisa de ajuda.
O fato é que a preposição "a" virou arroz de festa nos títulos
jornalísticos. A falsa impressão de erudição que ela confere e o fato de
ser formada por apenas uma letra (o que significa economia de espaço)
acabaram dando a essa pobre preposição o falso valor de pau para toda
obra. Não cabe o "para"? Lasca-se o "a", que nem sempre lhe é
equivalente. O caso em questão é bizarro, porque a preposição adequada
("de") tem apensa uma letra a mais, ou seja, um toque a mais, como
dizemos no jargão jornalístico. Aí entra o maldito piloto automático,
que faz o redator empregar o "a" sem nem ao menos ler o resultado da
"obra".
Antes que alguém pergunte, lá vão exemplos do uso do substantivo
"prisão" com cada uma das três preposições citadas: "Essa sua prisão a
dogmas infundados..."; "A prisão de Fulano causou..."; "A longa prisão
em terra estrangeira deixou-o...".
Como sempre digo nas minhas palestras Brasil afora, nossos jornais e
revistas quase sempre são escritos em português, mas a língua dos
títulos às vezes é outra. Qual é? É o titulês, é claro. Essa "língua"
muitas vezes é enigmática ou, pior, muito pretensiosa e falsamente
erudita. É isso.
Pasquale Cipro Neto
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