Há graffitis que nos obrigam a parar. Estão em muros gastos, em prédios abandonados, em túneis esquecidos. Não passam despercebidos. São imagens que convocam o olhar. Ficam na retina. Às vezes, emocionam. Outras vezes, provocam. Quase sempre, têm mais a dizer do que painéis de exposições financiadas. São arte. E como qualquer arte, não pedem licença. Impõem-se.
Depois há os outros. Os das letras gordas. Ilegíveis. Feitas à pressa e por cima de tudo o que já lá estava. Camadas de tinta sobre outras tintas. O objectivo deve ser apagar o que havia antes. Não criar. Não comunicar. Marcar presença, apenas. Graffitis que não dizem nada a ninguém. Mas estão por todo o lado. Uma urgência qualquer em deixar claro que alguém passou por ali. Mesmo que com um conjunto de rabiscos pretensamente agressivos.
Há graffitis que salvam fachadas. E há outros que as condenam. Os primeiros revelam técnica, intenção, sentido estético. Os segundos são o equivalente visual a um grito num megafone desligado. Barulho por barulho. O graffiti que não comunica, que não acrescenta, está a gritar numa parede muda. Este é o paradoxo do graffiti. E o espaço público está a rebentar de ambos.
E não é uma questão de ser contra a arte urbana. Muito pelo contrário. A arte urbana já nos provou e continua a provar que pode ser um canal de intervenção, de comentário social, de estética inesperada. Mas a arte urbana exige responsabilidade. E isso não passa por criminalizar ou proibir. Passa por exigir critério. Como em tudo.
É possível que as cidades criem circuitos de paredes livres para artistas urbanos. Já há experiências bem-sucedidas. Zonas rotativas, onde novos artistas pintam sobre trabalhos antigos, de forma organizada. Paredes vivas. Espaços de criação, não de vandalismo. Onde o graffiti não tenha medo de ser visto. Faz parte.
O que falta é coragem para separar o trigo do joio. Que não se faz com repressão nem romantismo. Faz-se com exigência, selecção, critério. Com espaços designados. Editais públicos que desafiem artistas a intervir nas paredes das escolas, hospitais, bairros. Não com o amadorismo do quem chegar primeiro risca. Elevar o espaço urbano, não o tornar um depósito de vaidades mal resolvidas.
Porque a cidade merece mais do que gritos sem sentido. Merece paredes que falem. Que nos olhem de volta. Que digam qualquer coisa que valha a pena ouvir. A arte urbana é uma promessa de diálogo, mas como em qualquer diálogo, não basta abrir a boca. É preciso ter algo para dizer.
[Fonte: barulho-de-fundo.blogs.sapo.pt]

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