Escritor Ricardo
Lísias, autor do e-book "Delegado Tobias", recebeu intimação para
depor
Inquérito
investiga documento nos moldes de uma decisão judicial real que autor publicou
em suas redes sociais
Escrito por ARTUR RODRIGUES
Conhecido por mesclar
elementos de ficção e realidade em seus livros, o escritor Ricardo Lísias, 40,
nunca imaginou que sua obra fosse ganhar vida de verdade.
No e-book
"Delegado Tobias", em que o personagem título investiga a morte do
escritor Ricardo Lísias, o autor usou nomes de pessoas reais, recortes de
jornais e documentos judiciais, criando uma permanente desorientação no leitor.
O experimento se
estendeu às redes sociais, onde foram publicados trechos da obra.
A história chegou à
polícia, ao Ministério Público e à Justiça federais, que parecem não ter
entendido o conceito.
Resultado: um
inquérito foi aberto para investigar a suspeita de falsificação e uso de
documento público por Lísias em sua obra de ficção.
"Eu não
falsifiquei o documento, eu inventei o documento", diz Lísias, autor de
livros como "Divórcio" e "O Céu dos Suicidas". "A
literatura foi para a página policial. Agora, virou realidade."
Em um dos documentos
criados para o folhetim virtual, com aparência similar à de uma decisão
judicial real, um relator fictício do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
João Eleonor Freire Costa Neves, defere liminar para retirar a obra
"Delegado Tobias" de circulação.
A justificativa é que
o público leitor médio "não tem discernimento suficiente para discernir se
está diante de uma obra de ficção ou um mero relato".
O caso passou a ser
investigado no mundo real após a assessoria de imprensa da Justiça Federal
repassar denúncias sobre a publicação da decisão falsa no perfil do escritor no
Facebook.
O Ministério Público
Federal avaliou que havia indícios de crime de falsificação e determinou a
abertura de inquérito. Nesta semana, Lísias recebeu intimação para prestar
depoimento, marcado para outubro.
Para o advogado do
autor, Pedro Luiz Bueno de Andrade, elementos artísticos, no caso das decisões
fictícias, foram descontextualizados, levando a um equívoco.
"Juridicamente
falando, para responder pela falsificação de documento público, ele tem que ser
capaz de causar prejuízo a alguém", afirma.
Surpreso com a
investigação, o escritor conta que até o momento nem mesmo as pessoas reais
transformadas em personagens da obra ficaram ofendidas.
LIMITES DA
FICÇÃO
Entre os nomes reais
citados está o do professor de literatura Pedro Meira Monteiro, da universidade
norte-americana Princeton.
"O experimento
ficcional do Lísias é justamente testar os limites da ficção, aproximando-a da
realidade, de maneira que essas situações aconteçam: alguém se sente dentro
dela, como se fosse presa da ficção", afirmou o professor, por e-mail.
"O que eu não
entendo é que a polícia não entenda que se trata de ficção, portanto é óbvio
que os documentos são falsos. Falsos, não falsificados! Eles estão preocupados
com uma realidade paralela", diz, classificando o caso como
"esquizofrênico".
A Justiça Federal
afirmou que recebeu diversos questionamentos de jornalistas sobre os documentos
publicados no Facebook do escritor e que apenas informou a Procuradoria sobre a
possibilidade de serem falsos.
Já a Procuradoria
afirmou que, ao receber a notícia, "encaminhou os elementos
disponíveis" à PF para investigação. O órgão afirmou ainda que o
procedimento está em curso, sem previsão para ser concluído.
A PF afirmou que
"não investiga escritores por suas obras de ficção".
No entanto, o
inquérito foi instaurado em razão da requisição do Ministério Público Federal,
que obrigatoriamente tem de ser cumprida.
[Fonte:
www.folha.com.br]
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