'O
Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação', sobre um rapaz excluído do
grupo de amigos da juventude, chega ao país
Por ANDRÉ DE LEONES
Em O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação,
encontramos várias das características que tornaram Haruki Murakami um
romancista tão bem-sucedido. Estão nele o tom de fábula, os ecos surreais, a
inserção de diferentes níveis ou planos existenciais e o cuidado quase didático
para com a estruturação. Emulando uma composição do húngaro Franz Liszt
(1811-1886) intitulada justamente Os Anos de Peregrinação, o romancista japonês lança o seu
protagonista numa jornada de autodescoberta que, embora não surpreenda pela
originalidade, é bem amarrada e desenvolvida.
Tsukuru Tazaki é um engenheiro de 36 anos, especializado em
projetar e reformar estações de trem. Leva uma vida insossa em Tóquio,
casa-trabalho-casa, cujo único atrativo é Sara, uma mulher com quem está
envolvido e que percebe nele um trauma, algo que o estaria travando e que
talvez ele devesse destrinchar. Não é preciso cavoucar muito. Quando jovem, em
Nagoia, ele integrava um grupo de amigos. Cada um deles (exceto o “incolor”
Tsukuru) tinha uma cor no sobrenome: os garotos Akamatsu (“pinheiro vermelho”)
e Ômi (“mar azul”), e as meninas Shirane (“raiz branca”) e Kurono (“campo
preto”). Certo dia, quando Tsukuru já morava em Tóquio como estudante, ele foi
súbita e secamente cortado do grupo. O choque foi tamanho que ele nem sequer
procurou saber o motivo. Agora, 16 anos depois e instigado por Sara, ele decide
procurá-los a fim de descobrir o que se passou.
O protagonista do escritor japonês é um engenheiro de 36 anos que leva uma vida sem graça
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A jornada
de descoberta é, como se disse acima, uma jornada de autodescoberta. Sujeito
ordinário, que sempre se considerou sem atrativos e sem graça, Tsukuru se vê
entregue a uma busca não só pelos fatos, por aquilo que teria levado os amigos
a expulsá-lo de sua convivência, mas pela própria identidade, por algo que lhe
confira alguma cor, um traço distintivo que ressalte a sua singularidade.
Talvez
resida nessa dimensão em que se dá a busca incessante pela própria identidade,
a partir de nós mesmos e por meio do outro, a razão do sucesso do autor.
Qualquer leitor se enxerga nisso, em maior ou menor grau. É comum que nos
sintamos “incolores” em algum momento da vida. Portanto, Murakami sempre
reflete sentimentos comuns, compartilhados por todos, nas suas
“mini-odisseias”, cujos deslocamentos, interiores e exteriores, são também
facilmente reconhecíveis por nós.
Graças a
esse aspecto de forte interesse humano, é possível irrelevar a prosa às vezes
simplória do autor. Construções e metáforas que normalmente soariam canhestras
(“O passado começava a se misturar silenciosamente ao tempo real, que corria
aqui e agora. Como a fumaça, que penetra no quarto sorrateiramente através de
uma pequena fresta da porta.”) adquirem uma honestidade inesperada, e o romance
captura a atenção do leitor sem maiores dificuldades.
Outro
aspecto que torna O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação um bom
livro tem a ver com o seu desfecho. Com inteligência, Murakami evita arredondar
a narrativa com uma conclusão artificial ou mesmo catártica. Em vez disso, opta
por sugerir que a peregrinação prosseguirá, agora com um pouco mais de
autoconsciência por parte de Tsukuru. É o tipo de coisa que impede o
barateamento da jornada empreendida e, ao mesmo tempo, demonstra respeito pelo
leitor.
André de Leones é autor do romance Terra de
Casas Vazias (Rocco),
entre outros
O INCOLOR TSUKURU TAZAKI E SEUS ANOS DE PEREGRINAÇÃO
Autor: Haruki Murakami
Trad.: Eunice Suenaga
Editora:
Alfaguara (328 págs., R$ 39,90; R$ 27,90 o e-book)
Confira trecho da obra:
"De
julho do segundo ano da faculdade até janeiro do ano seguinte, Tsukuru Tazaki
viveu... pensando praticamente só em morrer. Nesse meio-tempo ele completou
vinte anos, mas o marco não significou nada em especial para ele. Naquela
época, acabar com a própria vida lhe parecia a coisa mais natural e lógica a
ser feita. Até hoje ele não sabe bem por que não deu o passo derradeiro.
Afinal, naquele momento, atravessar a soleira que separa a vida e a morte era
mais fácil do que engolir um ovo cru.
Talvez
Tsukuru não tenha tentado se suicidar de fato porque seu sentimento em relação
à morte era tão puro e intenso que não conseguia conceber na mente uma imagem
concreta de uma forma de morrer que estivesse à altura. Uma imagem concreta
nesse caso era uma questão secundária. Se nessa hora tivesse uma porta a seu
alcance que o levasse à morte, ele certamente a teria aberto sem hesitar. Sem
precisar pensar muito, como se fosse uma continuação do cotidiano. Mas, feliz
ou infelizmente, ele não conseguiu encontrar tal porta em nenhum lugar próximo.
Deveria
ter morrido naquele momento, Tsukuru Tazaki costuma pensar. Assim, este mundo
que existe aqui e agora não existiria mais. Isso lhe parece fascinante. O fato
de não existir o mundo do agora, o fato de não ser mais real o que aqui é
considerado realidade. O fato de que, assim como ele não existiria mais neste
mundo, este mundo também não existiria mais para ele."
[Fonte: www.estadao.com.br]
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