Chegou o dia! Depois de (literalmente) marchas e contramarchas, de denúncias, contradenúncias e (!!!) autodenúncias, a bola vai rolar.
Certamente teremos belíssimos
momentos do que se chama de "futebol arte", protagonizados por
artistas do quilate de Neymar, Cristiano Ronaldo, Messi, Pirlo, Iniesta, Suárez
etc. Mas também teremos muita bobajada, esparramada pelos meios de comunicação,
sobretudo o rádio e a TV. Já estou preparado para as inevitáveis manifestações
de ufanismo estúpido, que me causam o que hoje se chama de "vergonha
alheia".
Se um argentino cuspir na cara
de um brasileiro ou se fizer um gol com a mão, algum gênio dirá que o "hermano"
é um criminoso, que deveria receber o vermelho etc. Se um dos nossos fizer
isso, o gênio dirá que é "malandragem", "faz parte do
jogo".
Na Copa de 94, um episódio me
deixou profundamente envergonhado. Terminado o jogo final, partiu-se para a
sempre tenebrosa cobrança de penalidades. Sorridentes, os goleiros Taffarel e
Pagliuca caminharam abraçados para o patíbulo, digo, para a trave contra a qual
seriam desferidos os tiros livres. Na TV, um narrador soltou uma pérola
parecida com isto: "Sai dele, Taffarel, ele quer jogar mandinga em
você". O longo abraço de Taffarel e Pagliuca, que tinha forte valor
simbólico, foi visto pelo narrador como mote para o desfile da sua pobreza
mental.
Ainda há uma parcela da
população que segue a triste cartilha desses idiotas, mas parece-me que,
felizmente, ela é minoritária. O genial Zidane já esteve no Brasil algumas
vezes depois de ter sido o nosso algoz e sempre foi muito bem recebido por
aqui.
Parece que a parte saudável da
população está aprendendo a conviver com a ideia de que no esporte não há
inimigos; há adversários, que, na essência, são a nossa razão de ser. O que
seria da equipe X se ela não tivesse um adversário para enfrentar?
Mais uma vez, recorro a
Drummond. Depois da derrota de 1982 (com apenas cinco minutos de jogo, um gênio
da TV disse que "a Itália parece cansada, fadada a tomar uma
goleada"), nosso grande Mestre escreveu esta maravilha: "E chego à
conclusão de que a derrota, para a qual nunca estaremos preparados, de tanto
não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de
renovação da vida. Tanto quanto a vitória, a derrota estabelece um jogo
dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de
derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o
germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos,
que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de
detritos: começar de novo".
Não se trata de desejar a
derrota, mas de admiti-la como algo possível, o que, no mínimo, nos livra de
dizer besteiras em profusão.
Encerro com a belíssima e
comovente "Coração do Mundo" (melodia de Marcos Valle; letra de Paulo
Sérgio Valle), renovada (e melhorada) no ano passado (a versão original é da
Copa de 70) e gravada mais uma vez pelos comoventes "Golden Boys":
"Eu hoje, igual a todo brasileiro / Vou passar o dia inteiro / Entre
faixas e bandeiras coloridas / Parece até que eu estou em campo /Buscando a paz
nos quatro cantos / Aquele gesto de erguer a taça ao povo / Brasileiros, vamos
todos buscar a vitória / Nós queremos lutar pela taça / De melhor, entre os
mais / Nessa hora a distância não tem mais sentido / Nosso grito de gol é
ouvido / Pelo chão, pelo ar / Agora, só tenho a Copa em minha mente / A Seleção
na minha frente / Torcer, vibrar, mas afinal brilhar no mundo / Sou um vencedor
no mundo / Sou do coração do mundo / Eu sou um cidadão do mundo / Eu sou, eu
sou, eu sou...".
Que a Copa nos faça melhores e
motive o convívio civilizado. É isso.
[Fonte: www.folha.com.br]

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