Por WILLIAM
GRIMES
do "NEW YORK TIMES"
Durante seu longo e muitas vezes
turbulento casamento com Lev Tolstói, Sophia Andreevna Tolstói suportou muita
coisa, mas "Sonata a Kreutzer" foi um castigo incomum.
Publicada em
1889, a história apresentou a visão cada vez mais radical de Tolstói sobre as
relações sexuais e o casamento, por meio de um monólogo frenético feito por um
narrador que assassinou sua esposa num acesso de ciúmes e nojo.
Em seu
diário, Sophia escreveu: "Não sei como ou por que razão todo o mundo ligou
'Sonata a Kreutzer' a nossa própria vida de casados, mas foi o que
aconteceu". Escreveu também: "Também eu sei em meu íntimo que esta
história é voltada contra mim e que me fez uma injustiça enorme, me humilhou
aos olhos do mundo e destruiu os últimos vestígios de amor entre nós."
Sophia
apresentou seus próprios pontos de vista em duas novelas, "Whose
Fault?" (de quem é a culpa?) e "Song Without Words" (canção sem
palavras), que ficaram esquecidas nos arquivos do Museu Tolstói até sua
publicação recente na Rússia. Michael R. Katz, professor aposentado de estudos
da Rússia e Europa do Leste no Middlebury College, no Vermont, incluiu as
histórias em "The Kreutzer Sonata Variations" (variações da sonata a
Kreutzer), ampliando assim uma onda de trabalhos recentes que avaliam a esposa
de Tolstói como figura merecedora de atenção por suas próprias qualidades.
O
escritor russo Lev Tolstói
|
"Ao ler
essas novelas, minha primeira reação foi de assombro, porque existiam e ninguém
sabia delas", disse Katz. "Minha segunda reação foi pensar: 'Não são
más histórias. Podem não ser literatura de primeiro nível, mas vieram de uma
mulher instruída, culta, pensativa."
"Whose
Fault?" conta a história de Anna, 18 anos, bem nascida e educada, que
visualiza o casamento como a união de duas mentes, almas gêmeas compartilhando
o amor pela filosofia e as artes, desfrutando juntas as mesmas atividades de
lazer e dedicando-se a seus filhos.
As queixas
arroladas pelo narrador de Tolstói são rebatidas na narrativa tristonha de sua
mulher sobre decepção amorosa, a incompatibilidade entre o desejo sexual
masculino e a sede feminina de satisfação emocional, as diferentes expectativas
e imposições do parto e criação dos filhos.
"Song
Without Words" explora a fronteira maleável entre a atração intelectual e
sexual. A história apresenta uma versão mal disfarçada da amizade intensa de
Sophia com o compositor Sergei Taneyev.
A atmosfera
de conflito e desilusão que permeia as histórias reflete com precisão o
casamento dos Tolstói, especialmente nos anos depois de o escritor passar por
uma crise espiritual e criar uma vertente idiossincrática do cristianismo.
Essa fé
reencontrada o mergulhou em contradições que dificultaram sua vida e a de sua
mulher até sua morte, em 1910. Tolstói foi um rico latifundiário que via a
propriedade privada como imoral, um igualitarista cercado por empregados, um
artista que rejeitava quase toda a arte, vendo-a como nociva, um defensor do
celibato que teve 13 filhos e continuou sexualmente ativo até depois dos 80
anos de idade.
Katz
traduziu as novelas ao inglês e acrescentou materiais que lançam luz sobre o
furor desencadeado por "Kreutzer" e extratos das cartas de Sophia, de
seus diários e de sua autobiografia, "My Life" (minha vida), outro
trabalho que passou várias décadas juntando poeira.
Nos últimos
anos de vida de Tolstói, e até muito tempo depois de sua morte, seus discípulos
retrataram Sophia como vilã, a megera que fez o possível para manter o escritor
afastado de seu trabalho. Surpreendentemente, foi Sophia quem saiu em defesa de
Tolstói quando "Sonata a Kreutzer" enfrentou dificuldades com a
censura. Como curadora da obra literária de seu marido, ela viajou a São
Petersburgo em 1891 para defender a causa da novela diante do czar Alexandre
3˚.
Usando de
charme e sofismas, argumentou que "Sonata a Kreutzer" defendia a
pureza sexual, que certamente era uma coisa boa. Ademais, acrescentou, um favor
do czar poderia encorajar seu marido a voltar a escrever obras como "Anna
Kariênina".
"Isso
seria tão bom!", respondeu o czar. A proibição foi revogada.
[Fonte: www.folha.com.br]
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